Que é a Vida Mais Profunda?- A.W.Tozer

sexta-feira, 11 de março de 2011


Que é a Vida Mais Profunda?



Suponhamos que um ser angelical, que desde a cria­ção conhece o profundo e sereno arroubo de habitar na Presença de Deus, aparecesse na terra e vivesse al­gum tempo entre nós, cristãos. Acha você, amado lei­tor, que ele ficaria admirado ante o que seus olhos pu­dessem ver?


Certamente se admiraria de ver, por exemplo, como podemos nos contentar com esse nível tão pobre e tão baixo de nossa experiência espiritual. Sim, porque no fim de tudo temos em nossas mãos uma mensagem, vinda de Deus, não só nos convidando para a Sua san­ta companhia mas dando-nos também instruções deta­lhadas para conseguirmos essa bênção. Depois de se deliciar com a bem-aventurança dessa íntima comu­nhão com Deus, como poderia tal pessoa compreender esse espírito irregular e que se contenta com pouco, característica da maior parte dos crentes evangélicos destes dias? E, se esse ser angelical conheceu espíritos ardentes como Moisés, Davi, Isaías, Paulo, João, Es­tevão, Agostinho, Rolle, Rutherford, Newton, Brainerd e Faber, logicamente concluiria que os cristãos do século XX compreenderam mal algumas doutrinas vitais do Credo Cristão e ficaram aquém do verdadei­ro conhecimento de Deus.


Que diríamos, se ele se assentasse conosco nas ses­sões diárias de um dos nossos comuns institutos bíbli­cos e notasse as extravagantes alegações que fazemos de nós mesmos como crentes em Cristo e as comparasse com as nossas atuais experiências religiosas? Conclui­ria por certo haver séria contradição entre aquilo que nós pensamos que somos e aquilo que somos na rea­lidade. A ousada proclamação de que somos filhos de Deus, de que ressuscitamos com Cristo, de que com Ele nos assentamos nos lugares celestiais, de que expe­rimentamos a habitação do Espírito doador da vida, de que somos membros do Corpo de Cristo e filhos da nova criação, está sendo desmentida por nossas ati­tudes, por nossa conduta, e, acima de tudo, por essa nova falta de fervor e ausência do espírito de ado­ração.


E, se tal visitante celestial chamasse nossa atenção para a grande diferença entre nossas crenças doutri­nárias e nossas vidas, sorrindo o despacharíamos explicando-lhe que essa é a diferença normal entre nossa posição segura e nosso estado variável. Daí, certamen­te ele quedaria boquiaberto ao notar, triste, que seres como nós, criados à imagem de Deus, nos permitamos tais jogos de palavras, brincando assim com nossas almas.


E não é significativo o fato de tais defensores da posição evangélica, que fazem do Apóstolo Paulo um grande cabedal, serem tão pouco paulinos em espírito? Existe grande e importantíssima diferença entre o cre­do paulino e a vida paulina. Alguns de nós que, por anos, vimos com simpatia observando o cenário cris­tão, sentimo-nos constrangidos a parafrasear as palavras da moribunda rainha e exclamar: “Ó Paulo! Pau­lo! Quantos males se fizeram em teu nome!” Crentes, às dezenas de milhares, que até se orgulham de inter­pretar muito bem as Cartas aos Romanos e aos Efésios, não conseguem esconder a gritante contradição espiritual que existe entre seus corações e o coração do Apóstolo Paulo.


Tal diferença pode ser expressa nestas palavras: o Apóstolo Paulo foi um pesquisador, e um achador, e sempre um pesquisador. Tais cristãos são pesquisado­res e achadores, mas não continuam a pesquisar. Ten­do “aceito” a Cristo, inclinam-se a colocar a lógica no lugar da vida, e a doutrina no lugar da experiência.


Para eles a verdade torna-se um véu para esconder o rosto de Deus. Para o Apóstolo Paulo era a porta de entrada à Presença de Deus. O espírito de Paulo era o do ansioso explorador. Pesquisava ele as colinas de Deus, em busca do ouro do conhecimento ou comu­nhão pessoal e espiritual. Muitos hoje se atêm à dou­trina de Paulo, muito embora não o sigam na sua apaixonada ansiedade em prol da realidade divina. Podem tais indivíduos ser tidos como paulinos, a não ser de nome e rótulo?



Se Paulo Estivesse Pregando Hoje



Com estas palavras — “Para que possa conhecê-lo” — o Apóstolo Paulo respondeu aos queixosos re­clamos da carne e correu em busca da perfeição. Todo lucro contou como perda pela excelência do conheci­mento de Cristo Jesus, o Senhor; e, se o conhecê-lo melhor lhe significava sofrimento, e mesmo a morte, isto não impedia o Apóstolo de marchar para a frente. Para ele o ser semelhante a Cristo era algo sem preço. Suspirava por Deus como o cervo suspira pelos ma­nanciais de águas, e para ele o mero raciocínio tinha pouco que ver, comparado à vida que sentia.


Na verdade, boa série de conselhos e de ignóbeis escusas poderia ser apresentada para afrouxar-lhe o passo, disso temos ouvido bastante. “Poupe sua saúde” — um amigo prudente lhe teria dito. E outro: “Você corre o perigo de ficar maluco, ou sofrendo dos ner­vos". E um terceiro diria: "Você muito logo será apon­tado como extremista"; e um pacato professor de Bí­blia, com mais teologia do que sede espiritual, apres­sa-se em dizer-lhe não há mais nada a ser pesquisado, ou buscado. E diz: "Você já foi aceito no amado, e abençoado com todas as bênçãos espirituais nos luga­res celestiais em Cristo. Que mais quer você? Tudo que você tem a fazer é crer, e esperar o dia final da vitória dEle".


Então, o Apóstolo Paulo precisaria ser exortado, se vivesse conosco em nossos dias, pois assim substancial­mente, tenho visto se amortecerem e se atenuarem as aspirações dos santos, quando eles se movimentam, para viver com Deus num crescente grau de intimida­de. Mas, conhecendo a Paulo como o encontramos nas páginas do Novo Testamento, é seguro presumir que ele repudiaria tão baixo conselho de conveniência ou utilitarismo, e avançaria para o alvo — o prêmio da suprema vocação de Deus em Cristo Jesus. E bem faremos em segui-lo.


Quando o Apóstolo exclama: "Para que possa co­nhecê-lo", emprega o verbo conhecer não no sentido de intelecto e sim no seu sentido de experiência. Pre­cisamos compreender bem que ele quis referir-se não à mente e sim ao coração. O conhecimento teológico é conhecimento acerca de Deus. Conquanto indispen­sável, não é suficiente.


Tem ele para com a necessidade espiritual do ho­mem a mesma relação que um poço tem para com a necessidade material do seu físico. Não é propriamen­te por aquele poço cavado na rocha que suspira o viajor suarento e coberto de pó, e sim pela água lím­pida e fresca que dele jorra. Assim, o que sacia a antiga sede do coração do homem não é o conhecimento intelectual de Deus, e sim a Pessoa e a Presença real do próprio Deus. E isso nos vem a nós pela doutrina cristã, mas é muito mais que mera doutrina. O objeti­vo da verdade cristã é levar-nos a Deus e nunca subs­tituir a Deus.



Nova Aspiração Entre os Evangélicos



Nos últimos tempos tem surgido dentro do coração de um crescente número de crentes evangélicos uma nova tendência ou aspiração que busca uma experiên­cia espiritual acima da média, ou comum. Não obstan­te, a maioria ainda se esquiva a esse desejo ardente e levanta objeções que evidenciam má compreensão, ou medo, ou declarada incredulidade. Então, aponta-se para os pseudocristãos neuróticos, psicóticos, falsos adoradores, e para os desarvorados fanáticos, confun­dindo a todos num só grupo, sem a menor discrimina­ção, como seguidores da "vida mais profunda."


Sendo tal procedimento um verdadeiro disparate, o fato de existir tal confusão obriga aos que advogam essa vida cheia do Espírito a definir o que realmente vem a ser "vida mais profunda" e explicar a posição que tomaram. Que se quer significar com isso? Que é que estamos proclamando?


Quanto a mim, estou bem certo de que estou ensi­nando nada mais que Cristo crucificado. Para que eu aceite um ensino ou mesmo enfatize isto ou aquilo, preciso estar persuadido de tratar-se de uma coisa que está radicada nas Escrituras Sagradas, e também total­mente nos ensinos apostólicos, por seu espírito e índo­le. E deve ainda estar em inteira harmonia com o que de melhor existe na história da Igreja Cristã e na tra­dição, sustentada pelas capitais obras devocionais, pela mais doce e mais radiosa hinologia e pelas mais eleva­das experiências reveladas em biografias cristãs.


Ela precisa também estar dentro dos limites do pa­drão da verdade que nos deu almas santas como Ber­nardo de Clairvaux, João da Cruz, Molinos, Nicolau de Cusa, João Fletcher, David Brainerd, Reginaldo Heber, Evan Roberts, o General Booth, e todo um exército de almas semelhantes que, embora menos do­tadas e menos conhecidas, formam aquilo a que Paulo S. Rees (em outra relação) chama de "a semente do reavivamento". Esta qualificação é muito acertada, porque são estes cristãos extraordinários que impedi­ram a cristandade de entrar em colapso, arrancando-a dos braços da condenável mediocridade espiritual em que vivia.


Falar na "vida mais profunda" não é discorrer sobre algo mais profundo do que a singela religião do Novo Testamento. Melhor: é insistir com os crentes para que explorem as profundezas do Evangelho de Cristo e busquem aqueles tesouros que certamente ele guar­da, mas que certamente para nós ainda não existem. Essa vida é "mais profunda" somente porque a vida cristã média, ou comum, é tragicamente rasa e super­ficial, é de casquinha.


Todos quantos hoje desejam uma vida mais profun­da podem desfavoravelmente ser comparados com alguns cristãos que cercavam outrora os apóstolos Paulo e Pedro. Conquanto não houvessem conseguido grande progresso, tinham seus rostos voltados para a luz e nos fazem sinal para que avancemos. Triste é verificar como podemos justificar nossa recusa em atender ao convite que nos fazem.


Os seguidores da vida mais profunda nos dizem que devemos diligenciar por gozar, numa íntima experiên­cia pessoal, esses elevados privilégios que são nossos em Cristo Jesus, que devemos insistir em provar a do­çura da adoração interior em espírito e em verdade; que, para alcançarmos esse ideal, precisamos, se ne­cessário, ir além desses nossos irmãos que se conten­tam com menos, e enfrentar quiçá tremenda oposição que nos sobrevirá,


O escritor de afamado livro devocional — The Cloud of Unknowing (A Nuvem do Desconhecido) — abre sua obra com uma oração que expressa o espírito do ensino dessa vida mais profunda. Diz então: "Ó Deus, para quem todos os corações estão a descober­to. . . e para quem segredo algum está encoberto, eis que Te busco para que purifiques o intento do meu coração com o indescritível dom da Tua graça, para que eu Te possa amar de modo perfeito e Te louvar dignamente. Amém."


Quem verdadeiramente nasceu do Espírito, a menos que esteja prejudicado por um ensinamento errado, pode acaso fazer objeção a essa inteira purificação do coração que habilita a amar perfeitamente a Deus e a louvá-lo dignamente? Pois é exatamente isso o que desejamos afirmar e ensinar, quando falamos dessa experiência da "vida mais profunda". Ensinamos que isso literalmente se cumpre ou se dá dentro do cora­ção, e que isso não é coisa simplesmente aceita pela cabeça.


Nicéforo, um dos pais da Igreja Oriental, num pe­queno tratado sobre a vida cheia do Espírito, faz ini­cialmente um convite que nos parece estranho, somen­te porque por muito tempo nos acostumamos a seguir a Cristo de longe e nos acomodamos a viver com gente que não O segue de perto. "Vós, que desejais ter para vós a maravilhosa iluminação divina de nosso Senhor Jesus Cristo; que buscais sentir o fogo divino em vossos corações: que vos esforçais por gozar e experimentar o sentimento de reconciliação com Deus; que, ansio­sos por desenterrar o tesouro escondido no campo do vosso coração e por querer possuí-lo, renunciastes todos os bens do mundo; que desejais que as tochas de vossas almas se queimem e brilhem sempre e sempre, e que, para tal fim, renunciastes tudo que há no mundo; que aspirais, mediante experiência consciente, conhecer e receber o Reino do Céu que existe dentro de vós; vinde e farei conhecida a ciência da vida celestial e eterna."


Facilmente poderíamos citar outras palavras seme­lhantes, a ponto de enchermos meia dúzia de volumes. Esta sede de Deus jamais deixou de existir em qual­quer geração. Sempre houve indivíduos que condena­ram os caminhos inferiores e comodistas, e insistiram na necessidade de só palmilhar as elevadas estradas reais da perfeição espiritual. Não obstante, é bom ano­tar que o vocábulo perfeição nunca significou um ponto espiritual terminal nem um estado de pureza que dispensasse a oração e a vigilância. O contrário disto é a verdade exata.



Ouvindo, Mas Não Obedecendo



Os mais notáveis cristãos confirmam unanimemente que, quanto mais perto de Deus, mais aguda e viva se torna a consciência do pecado e o sentimento de desvalia pessoal. As almas mais puras jamais conheceram quão puras eram, e os grandes santos nunca souberam que eram grandes. O próprio pensamento de que eram bons ou grandes teria sido rejeitado por eles como tentação de Satanás.


Ficaram tão enlevados e preocupados em contem­plar a face de Deus que tiveram mui pouco tempo para olhar para si mesmos. Ficaram mais que enlevados nesse doce paradoxo de consciência ou conhecimento espiritual, pelo qual conheceram que estavam limpos mediante o sangue do Cordeiro, e pelo qual sentiram que mereciam somente a Morte e o Inferno, por justa paga. Este sentimento aparece mui nítido e forte nos escritos do Apóstolo Paulo, e igualmente o encontra­mos expresso em quase todos os livros devocionais, bem como nos hinos sacros de maior valia e mais que­ridos.


A qualidade ou virtude da cristandade evangélica há de melhorar muito, caso o desusado interesse que hoje se nota pela religião não deixe a Igreja em pior estado que antes de haver aparecido o fenômeno. Se prestarmos atenção, creio que ouviremos o Senhor dizer a nós aquilo que disse certa vez a Josué: “Dispõe-te agora, passa este Jordão tu e todo este povo, à terra que eu dou aos filhos de Israel.” Ou ouviremos o escritor da Carta aos Hebreus dizendo-nos: “Por isso, pondo de parte os princípios elementares da doutrina de Cristo, deixemo-nos levar para o que é perfeito.” E, por certo, ouviremos o Apóstolo Paulo a nos exor­tar que “nos enchamos do Espírito Santo”.


Se estivermos suficientemente despertos para ouvir a voz de Deus, de modo algum podemos nos contentar apenas com o “crer nisso”. Como pode o homem crer numa ordem, ou mandamento? Os mandamentos se dão para serem observados, obedecidos; e, enquanto não os pusermos em prática, nada temos feito de po­sitivo. E mais: ouvir mandamentos e deixar de lhes obedecer é infinitamente pior do que nunca os ter ouvido, especialmente à luz do iminente retorno de Cristo e Seu juízo vindouro.


Vivendo Cristo...



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