A Impossibilidade do Reavivamento sem Reforma- A.W.Tozer

sexta-feira, 11 de março de 2011






Onde quer que hoje se reúnam cristãos, ouve-se constantemente o vocábulo reavivamento, ou despertamento.

Nos sermões, cânticos e orações amiúde estamos lembrando ao Senhor e ao nosso próximo que, para resolvermos nossos problemas espirituais, precisamos de um “poderoso reavivamento, desses dos tempos idos”. Também revistas e jornais religiosos tratam bas­tante desse tópico, afirmando que o reavivamento é a maior necessidade da hora que passa; e a pessoa que é capaz de escrever um ensaio sobre o assunto certamen­te encontrará muitos editores dispostos a publicá-lo.

Tão fortemente está a soprar a brisa pró-reavivamento que mui raro parece alguém ter o discernimen­to ou a coragem de resistir a esse vento, muito embora a verdade possa facilmente estar naquela direção. A religião tem seus modismos ou ondas, como sói acon­tecer à filosofia, à política e às modas femininas. As maiores religiões do mundo tiveram seus períodos de declínio e de recuperação, e tais recuperações ou pe­ríodos áureos são indevidamente chamados pelos his­toriadores de reavivamentos ou reflorescimentos.

Não nos esqueçamos que em alguns países o islamismo presentemente está passando por um reavivamento, e de que os últimos relatórios vindos do Japão nos dá conta de que, após breve eclipse que veio com a segunda guerra, o xintoísmo esta experimentan­do notável reflorescimento. Mesmo nos E.U.A. o catolicismo romano, bem como o protestantismo liberal estão avançando com tal impetuosidade que a palavra reavivamento se faz quase necessária para descrever o fenômeno. E isso sem qualquer perceptível elevação dos padrões morais dos seus fervorosos partidários.

Uma religião, até mesmo o cristianismo popular, pode gozar de um rápido desenvolvimento todo divorciado do transformador poder do Espírito Santo, e assim deixar a igreja da geração seguinte em pior con­dição que a anterior, caso jamais ocorresse tal desen­volvimento. Creio que a imperativa necessidade do momento não é apenas de reavivamento, mas de uma reforma radical que atinja a raiz dos nossos males morais e espirituais e que trate mais das causas que das conseqüências, mais do mal que dos sintomas.

Minha sincera opinião é esta: nas atuais circuns­tâncias não estamos desejando de todo um reaviva­mento. Um vasto reavivamento, do tipo do cristianis­mo de que hoje temos conhecimento na América do Norte, pode bem provar ser uma tragédia moral da qual não nos recuperaremos dentro de cem anos.

E dou minhas razões. Na geração passada, reagindo-se contra a alta crítica e sua conseqüência, o mo­dernismo, surgiu no protestantismo poderoso movi­mento de defesa do histórico Credo Cristão. Tal cor­rente, por motivos óbvios, fez-se conhecida pelo nome de fundamentalismo. Era mais ou menos um movi­mento espontâneo sem muita organização, mas seu propósito, onde quer que aparecesse, era o mesmo: barrar ou conter “a forte maré do negativismo” na Teologia Cristã e reafirmar e defender as doutrinas básicas do cristianismo do Novo Testamento. Esta parte é da história.


Vítima de Suas Virtudes


Em geral se olvida que esse fundamentalismo, à medida que se espalhou por vários grupos denominacionais e indenominacionais, caiu, vitimado por suas próprias virtudes. A Palavra morreu nas mãos de seus amigos. A inspiração verbal, por exemplo (doutrina que sempre sustentei e ainda hoje defendo), logo foi atingida pelo rigor mortis. Silenciou a voz do profeta e o escriba empolgou as mentes dos fiéis. Em vastas áreas mirrou a imaginação religiosa. Uma hierarquia nada oficial era quem decidia sobre aquilo que os cristãos deviam crer. Assim o Credo Cristão tornou-se não as Escrituras Sagradas, mas aquilo que o escriba achava que as Escrituras diziam. E colégios, seminá­rios, institutos bíblicos, congressos bíblicos, e popula­res expositores da Bíblia se reuniram para fazer avan­çar o culto do textualismo. Daí, um sistema de extre­mado dispensacionalismo, que então se industriou, de­sobrigou o cristão do arrependimento, da obediência e da cruz — tomando isso como formalidades. Toma­ram-se da Igreja trechos inteiros do Novo Testamento e os dispuseram de acordo com um rígido sistema de “distribuição da Palavra da verdade”.

O resultado disso tudo foi uma religião mentalmen­te inimiga do verdadeiro Credo Cristão. Desceu sobre o fundamentalismo uma espécie de névoa gelada. Por baixo, o terreno era conhecido. Tratava-se, e certo do cristianismo do Novo Testamento. As doutrinas bast­as da Bíblia estavam presentes, mas o clima não era favorável aos doces frutos do Espírito.

Todo aquele procedimento era diferente do da Igre­ja Primitiva e do das grandes almas que padeceram e salmodiaram e adoraram nos séculos idos. As doutri­nas eram sãs, mas estava ausente algo vital. Nunca se permitiu que florescesse a árvore da doutrina certa. Raramente se ouvia na terra o arruinar da pomba; ao contrário, o papagaio encarapitou-se no seu poleiro artificial e maquinalmente repetiu o que lhe haviam ensinado, e isso num tom emocional bem melancólico e atoleimado. Assim a fé, ou uma doutrina poderosa e vitalizante, tornou-se na boca do escriba coisa bem diferente, e sem poder. Então, triunfando a letra, o Es­pírito desertou e o textualismo passou a reinar, supre­mo. Foi o tempo do cativeiro babilônico do crente.

Por amor à exatidão, deve-se dizer que isso foi ape­nas uma condição ou estado geral. É certo que mesmo nesses tempos precários houve alguns que, de arden­tes corações, revelaram ser melhores teólogos do que seus próprios mestres. E eles apontavam para uma plenitude e um poder desconhecido do resto deles, O número destes, porém, era pequeno, e maiores as des-proporções. Assim, não conseguiram eliminar a névoa que pairava sobre o terreno.

O erro ou deleito do textualismo não é de natureza doutrinária. É mais sutil que isto e bem mais difícil de ser descoberto ou percebido; mas os seus efeitos são tão mortíferos quanto os desvios doutrinários. Ficam aquém não os seus postulados teológicos, mas as suas admissões ou afirmativas.

Ele admite, por exemplo, que, tendo-se a palavra para uma coisa, temos a própria coisa. Se está na Bí­blia, está em nós. Se temos a doutrina, temos a expe­riência. Dizem: se isto ou aquilo era verdade a res­peito do Apóstolo Paulo, necessariamente é verdade também a nosso respeito, porque aceitamos que as Cartas dele são inspiradas por Deus. A Bíblia nos diz como nos podemos salvar, mas o textualismo vai mais longe, fazendo-a dizer que estamos salvos, algo que pela verdadeira natureza das coisas não se pode fazer. A certeza da salvação individual assim não passa de mera conclusão lógica tirada de premissas doutrinárias e nada mais é que o resultado de uma experiência inteiramente mental.


Revolta Resultante da Tirania Mental


Daí veio a revolta. A mente humana pode suportar o textualismo até certo ponto, porque depois começa a procurar uma válvula de escape. Assim, sorrateira­mente, e mesmo sem ter consciência de que se pro­cessa uma revolta, as massas do fundamentalismo rea­giram, não contra os ensinos da Bíblia, mas contra a tirania mental dos escribas. Com a mesma angústia daqueles que estão a ponto de perecer afogados, pro­curam vir à tona, em busca de ar, e batalharam cega­mente por maior liberdade de pensamento e pela sa­tisfação emocional, exigidas por suas naturezas e ne­gadas por seus mestres.

O resultado colhido nestes últimos vinte anos foi este: uma perversão religiosa que mal se equipara àquela em que Israel passou a adorar o bezerro de ouro. Com verdade se pode dizer que nos, cristãos bí­blicos, “nos assentamos a comer e a beber, e nos levantamos para folgar”. Quase que desapareceu totalmente a linha divisória entre a Igreja e o mundo.

À parte outros pecados mais graves, vemos que os desvios do mundo não regenerado recebem agora a sanção e aprovação de um chocante número de cristãos que dizem ter nascido de novo; e tais pecados passam a ser copiados com extrema ansiedade. Jovens cristãos tomam por modelo as modas escandalosamente mundanas, e buscam assemelhar-se o mais possível as pessoas de conduta duvidosa, ou declaradamente irre­ligiosas. Líderes religiosos há que adotaram as técnicas dos propagandistas, e, assim, os exageros, as iscas e as condenáveis vanglorias surgem nos setores ecle­siásticos como procedimento normal. Sente-se que o clima normal não é do Novo Testamento, e sim da Broadway e de Hollywood.

A maior parte dos evangélicos não mais se inicia, mas imita, e o mundo é o modelo deles. Aquela ar­dente e santa crença de nossos pais em muitos setores tornou-se como um passatempo, e o que mais desola e entristece é ver que todo esse mal vem de cima até às massas.

Essa voz de protesto que se inaugurou com o Novo Testamento e que sempre se fez ouvir em alto e bom som nos tempos em que a Igreja tinha poder, foi aba­fada e silenciada com notável êxito. Aquele elemento radicalista — pelo seu testemunho e vida — que outrora fez dos cristãos indivíduos odiados pelo mundo, já não se vê no evangelismo dos dias que vivemos. Os cristãos distinguiram-se outrora como verdadeiros re­volucionários — morais, mas não políticos — e hoje temos perdido esse caráter revolucionário. Vemos que hoje não periga mais o ser cristão, nem é coisa custosa sê-lo. A Graça já não é mais livre, e sim barata. Preocupamo-nos hoje como provar ao mundo, e aos mundanos, que podemos todos gozar os benefícios do Evan­gelho sem a menor inconveniência ao seu habitual teor de vida. Nosso “é tudo isso, e o céu também”.

Este quadro que damos da cristandade moderna, embora não tenha aplicação a todos em geral, repre­senta na verdade a esmagadora maioria dos cristãos da era atual. Por este motivo julgo ser coisa vã e inú­til reunirem-se grandes porções de crentes com o fito de gastarem longas horas a rogar a Deus que lhes mande um reavivamento. Enquanto não desejarmos sinceramente nos reformar, não devemos orar. Só haverá verdadeiro reavivamento quando pessoas de oração receberem a visão e a fé que os induzam a emen­dar todo o seu teor de vida, para que se ajustem ao padrão do Novo Testamento.




A.W.Tozer

Vivendo Cristo.....
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